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Bahia Notícias: Tempos Estranhos

Confira o artigo do presidente da Comissão Especial de Sistema Prisional e Segurança Pública da OAB da Bahia, Marcos Melo, publicado nesta quarta-feira (22) no site Bahia Notícias: Tempos Estranhos Vivemos tempos estranhos. Impedimento de uma Presidente eleita democraticamente; profunda crise econômica, desemprego, instabilidade do Poder Executivo e diversos outros problemas no Brasil. No meio jurídico, o então Ministro da Justiça foi ao Paraguai, prometeu guerra às drogas na América Latina e protagonizou uma cena de filme (mas não um de ação, uma comédia pastelão): Munido de um facão, cortou alguns pés de maconha. Não muito tempo depois, esse “personagem” é indicado para substituir o ministro do Supremo Federal (que morreu após um grave acidente aéreo).

Bestializados, assistimos à uma sabatina “informal”, através de um jantar entre o então indicado a Ministro do STF, Alexandre Moraes e diversos Senadores que compõem a Comissão de Constituição e Justiça. Logo após, na sabatina “formal” (difícil até utilizar o adjetivo, vista a amabilidade com a qual o indicado foi tratado) no Senado, nenhuma surpresa: “Ganhamos” um novo ministro na Corte Suprema de Justiça do País!

Vivemos também a maior crise de todos os tempos no sistema penitenciário, que há muito havia sido anunciada.  Nos primeiros dias de janeiro de 2017, dezenas de presidiários mortos na região norte do país e diversas fugas e rebeliões espalhadas pelo o Brasil. Só assim, após essa tragédia sem precedentes, chegou-se a efetivar o necessário mutirão do Poder Judiciário para rever as prisões preventivas e intensificar a realização das audiências de custódia, conforme previsão legal, nos termos do Pacto São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário.

O denominador comum entre a crise político-criminal, a crise político-econômica e a crise político-social é justamente a política, que nesse cenário caótico, desponta evidenciando o despreparo dos Representantes que deveriam zelar pelo nosso Estado Democrático de Direito. Noutro espectro, sob a égide do mutirão dos Tribunais de Justiça, com números que mostram 400.000 processos analisados em todo o Brasil, com 80 mil benefícios concedidos (Progressão de regime, liberdade provisória, permissão de trabalho externo...) e 45 mil presos libertados, por estarem presos ilegalmente (dados do Conselho Nacional de Justiça), enquanto na Bahia tivemos 2.754 processos analisados e 827 presos provisórios liberados (ou seja: que ainda não foram julgados). Números que apontam o efetivo cumprimento das disposições legais, mas que foram criticados pelo representante máximo do Poder Executivo na Bahia: O nosso Governador do Estado (a despeito da sua boa gestão em diversos segmentos da sua competência).

O argumento é de que 800 pessoas colocadas em liberdade às vésperas do carnaval teria um efeito evidente no aumento de ocorrências de crimes contra o patrimônio. E a solução proposta pelo Excelentíssimo Governador, através de seus secretários, com suas atribuições inerentes a discussão nesta manifestação, foi de procurar o Tribunal de Justiça a fim de solicitar que “flexibilizem” o procedimento de soltura dos indivíduos, detendo-os e realizando a audiência de custódia só após o carnaval.

É, sem dúvidas, mais uma prova de que a crise institucional que vivemos está longe de atingir o fundo do poço. As garantias constitucionais, legais e supralegais devem ser “flexibilizadas”, de acordo com um representante de um dos Poderes da República, para que não prejudique uma festa.

Sem entrar no mérito de quantas falsas premissas foram lançadas no breve e inoportuno discurso do Excelentíssimo Governador, na impropriedade técnica que restou evidenciada e mesmo na ilegalidade reproduzida através da sua fala, é preocupante notar que o Direito Penal realmente deixou de ser a última esfera de controle judicial, e passou a ser visto como instrumento de controle e repressão de “inimigos”, seletivamente escolhidos. Conceitos como ressocialização, proporcionalidade, individualização e afins, que deveriam balizar a aplicação, finalidade e execução da pena, são deixados de lado e tratados como “utopias”, ou “meros conceitos formais”, visto que “na prática é diferente”, como costumam dizer no senso comum (dos mais estúpidos, por sinal).

É duro ter que ver os formadores de opinião, técnicos do Direito e representantes dos poderes da República usarem do seu espaço de fala para reproduzir absurdos atécnicos, axiomas deturpados e baboseiras sem arcabouço teórico, principalmente quando se referem ao sistema penal, pois tratam do bem imaterial mais importante após a vida: a liberdade. E é ainda mais duro perceber que esses absurdos estão se propagando cada vez mais e cada vez mais rápido. Realmente estamos vivendo tempos estranhos.

Marcos Luiz Alves de Melo
Presidente da Comissão Especial de Sistema Prisional e Segurança Pública da OAB-BA

Fonte: Bahia Notícias