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A Tarde: Prática do nepotismo será julgada pelo STF

Patrícia França/ A Tarde Considerado por muitos porta para a corrupção na esfera pública e retrato de uma sociedade patrimonialista que remonta às Capitanias Hereditárias – onde as províncias eram distribuídas entre membros de uma mesma família –, o nepotismo voltou a ser pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Há cerca de dez dias, o ministro Marco Aurélio de Mello suspendeu a nomeação de Marcelo Hodge Crivella, filho do prefeito do Rio de Janeiro – Marcelo Crivella (PRB) – para o cargo de secretário- chefe da Casa Civil da prefeitura.

Marco Aurélio entendeu que a nomeação feriu a Súmula Vinculante nº 13, baixada em 2008 pelo próprio STF, que vedou o nepotismo em todas as esferas da administração pública (direta e indireta) de todo o País.

A redação da Súmula Vinculante nº 13 proíbe a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente das autoridades responsáveis pelas nomeações, até o terceiro grau, ou dos servidores com cargo de chefia no mesmo órgão em que a vaga será preenchida.

O que significa que maridos, esposas, companheiros, pais, avós, bisavós, irmãos, filhos, netos, bisnetos, sobrinhos, tios, sogros, sogras, cunhados, genros e noras, na condição de parente até terceiro grau de gestores, estão impedidos de exercer cargo em comissão, de confiança e, também, de função gratificada na administração pública, direta e indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Freio de arrumação

Nos últimos anos, porém, o Supremo Tribunal Federal vinha flexibilizando na interpretação da súmula e passou a admitir a nomeação de parentes para os chamados cargos políticos, como o de ministro e de secretário de estado ou município.

Conselheiro federal da OAB, Castro deu voto favorável à proposta do conselheiro Flávio Pansieri (PR) de vedar a prática do nepotismo nos chamados cargos de natureza política.

Fabrício de Castro assinala que o nepotismo e seus privilégios infringem o princípio de que todos são iguais perante a lei, além de se contrapor à meritocracia. “Nós estamos num momento no País em que o administrador público não basta ser honesto, tem que parecer honesto”, compara o conselheiro federal da OAB-BA.

Em seu voto, o conselheiro federal e relator Silvio Pessoa de Carvalho Júnior (PE) acata a tese do colega Pansieri e afirma, em sua conclusão, o seguinte: “Tais atributos demonstram que não se pode tolerar o nepotismo em todo e qualquer cargo, emprego ou função públicos. Por esta razão, é irretorquível a necessidade de se elastecer a compreensão do enunciado sumular para alcançar ocupantes de cargos políticos,em prol dos postulados republicanos da igualdade e ainda dos princípios da moralidade, da eficiência e da impessoalidade administrativas”.

Cruzado

No site do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) é informado que além do nepotismo direto – aquele em que a autoridade nomeia seu próprio parente –, há o chamado nepotismo cruzado.

Neste caso, explica a CGU,o agente público nomeia pessoa ligada a outro agente público, enquanto a segunda autoridade nomeia uma pessoa ligada por vínculos de parentescos ao primeiro agente, como troca de favores.

Para tentar coibir esta prática, a administração pública federal baixou, em 2010, o Decreto nº 7.203, que veda tanto o nepotismo direto, quanto o cruzado. Mas atire a primeira pedra quem não conhecer ao menos um caso de nepotismo cruzado, inclusive entre os vários Poderes.

MP-BA já recebeu 15 denúncias

Na Bahia, o combate ao nepotismo de um modo geral também está na mira do Ministério Público Estadual (MPE). Segundo o promotor de Justiça Valmiro Macedo, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Proteção da Moralidade Administrativa (Caopam), de janeiro até agora, coma posse dos novos prefeitos, o MP já recebeu mais de 15 representações encaminhadas por cidadãos de vários municípios, denunciando a prática de nepotismo nas prefeituras municipais.

Em 2016, mais de 65 municípios baianos receberam recomendações para exonerar parentes até o terceiro grau, de prefeitos, vice-prefeitos, secretários municipais e de vereadores, ocupando cargos comissionados ou funções de confiança nos órgãos públicos.

Em Eunápolis,o promotor de Justiça Dinalmari Messias recomendou ao prefeito Robério Oliveira(PSD) a exoneração de Rodrigo Baioco, irmão do vice-prefeito e secretário de Governo Flávio Baioco, do cargo em comissão de superintendente de gestão administrativa.

O chefe do Caopam, promotor Valmiro Macedo, diz que se o Supremo ampliar o alcance da Súmula Vinculante nº 13, como defende a OAB, muitos casos que hoje “escapam” da legislação e que também configuram nepotismo terão de ser revistos pelos gestores.

A própria mãe

Um desses casos ocorre em Morro de Chapéu,onde o prefeito Leonardo Rebouças Dourado Lima(PR)nomeou a própria mãe, Ana Lúcia Dourado, como secretária de Educação, e Catarina Dourado, prima em primeiro grau do gestor, como titular da Secretaria de Governo.

O site Morro Notícias Sem Censura afirma, ainda, que José Ricardo Pinheiro Gomes, que está à frente da secretaria de Serviços Públicos, Obras e Transportes, é esposo de Catarina, prima do prefeito.

O promotor Fábio Nunes Bastos Leal Guimarães recomendou ao prefeito de Morro do Chapéu, no início deste mês, anular as respectivas nomeações. O juiz deu prazo de 20 dias.

O promotor Valmiro Macedo explicou que o MP tem adotado uma postura de “recomendar” e “orientar” os gestores públicos a revisão dos casos que configurem nepotismo, como intuito de evitar, no futuro, ações de responsabilidade civil e administrativa.

“Há distorções políticas no país todo, uma cultura patrimonialista de usar o serviço público para beneficiar familiares. É uma lógica perversa que tem que ser combatida”, diz o promotor de Justiça.

Fonte: Jornal A Tarde