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Artigo: Mulheres no comando, mulheres no poder. Será?

O dia 8 de março é mundialmente celebrado como o Dia Internacional da Mulher. Nesta data, há décadas, em todas as partes do mundo, mulheres vão às ruas protestar por igualdade de direitos. Segundo os registros do estudo ‘As Origens e a Comemoração do Dia Internacional da Mulher’, de Ana Isabel Álvarez Gonzalez, dados históricos apontam que a data teria surgido em razão do incêndio ocorrido em uma fábrica têxtil de Nova York, em 25 de março de 1911, quando cerca de 130 operárias morreram carbonizadas.

Outros estudos, no entanto, apontam que o marco teria sido o dia 8 de março de 1917, na Rússia, quando 90 mil operárias protestaram contra as más condições de trabalho, a fome e contra a participação do país na Primeira Guerra Mundial, em um protesto que ficou conhecido como “Pão e Paz”, embora, somente em 1921, a data tenha sido internacionalmente oficializada.

O certo, seja qual for o acontecimento histórico que tenha dado origem à celebração do 8 de março, é que esta data é resultado da união e luta isolada das mulheres contra as péssimas condições de trabalho e desamparo social.

Após um século do marco histórico da reunião das mulheres pela luta de melhores condições de trabalho, ainda hoje, o tema é atual, relevante e, equivocadamente, de interesse apenas das mulheres, que continuam em busca da igualdade substancial de direitos e, também, de sua valorização social.

Quando se fala em igualdade de direitos entre homens e mulheres não é raro ouvir comentários do tipo: “lá vêm as mal amadas”. “O que elas querem mais? Querem ser as donas do mundo?”.

Bom, não há dúvidas de que esse tipo de comentário, além de sexista e machista, revela uma limitação de compreensão das pessoas acerca da importância de construirmos uma sociedade em que haja igualdade e respeito entre todas as pessoas, independentemente do gênero, sexualidade, etnia ou idade.

E as mulheres que se dedicam a tão humana causa, longe de serem mal amadas, são pessoas que compreendem o seu valor, amam a si próprias e ao próximo, dedicam seu tempo e energia em prol de conquistas que vão muito além da defesa individual do seu próprio direito.

Mas, por falar em amor, nunca é demais a reflexão acerca de tão nobre e transformador sentimento que, para tristeza de mulheres e também dos homens, vem sendo lamentavelmente banalizado.

Carlos Drummond de Andrade, em uma das suas imortalizadas lições, escreveu que “amar se aprende amando”.

Talvez o problema do amor, em especial na contemporaneidade, seja justamente a falta de paciência para aprender a amar, o que pressupõe tempo e disposição. E na velocidade em que se vive, no tempo da internet, das redes sociais, das mensagens instantâneas, não há espaço para reflexões, nem para o conhecimento da essência humana e do amor. Então, ao final, parece que nos dias de hoje a grande maioria das pessoas conhece muito pouco sobre o amor e a arte de amar, sejam os homens ou as mulheres.
 
E quanto ao desejo de serem as donas do mundo, bom, isso depende de qual mundo estejam a falar. A mulher quer ser dona do mundo sim, mas do seu próprio mundo, escolher o que lhe faz feliz, decidir se deseja casar, ter filhos, não ter constrangimento de viver a sua escolha em não casar, não ter filhos, sem que isso signifique amargar o dissabor dos julgamentos sociais, escolher sua profissão por vocação, sem preocupações e estereótipos socialmente consolidados (não há profissão de homem), decidir se deseja ter os seus cabelos lisos, cacheados, alisados ou crespos, ser magra (e ser feliz), ser gorda (e ser feliz), ser dona do seu mundo, sem estar sujeita a julgamentos, críticas, sujeições e exclusão social.

Mas, é certo, não é só. Não nos basta alcançar apenas o fortalecimento individual, é preciso que a igualdade de direitos seja uma realidade, não apenas uma norma posta. É preciso também, que além da igualdade real dos direitos, a mulher seja valorizada, conquista que perpassa por uma mudança de comportamento e por uma mudança da nossa própria cultura.

Atravessamos um difícil momento social, convivendo com uma violência cultural contra a mulher assustadora, contra a qual poucas vozes se levantam. A violência cultural contra a mulher até parece imperceptível, mas ela está lá, sobretudo nas letras das músicas.

Até quando os artistas e a mídia vão popularizar músicas que colocam a mulher em uma condição depreciada, vulnerável e vulgarizada? Até quando as mulheres, nas vozes de muitos cantores, serão as "santinhas", "solteirinhas", "potrancas" e "cachorras"?

Uma música trabalhada para ser a música do Carnaval de Salvador de 2017 tem como título "Mulheres no Poder". Estaria o artista falando sobre as mulheres brasileiras que vêm conquistando seu espaço profissional, político e social? Não. A letra, gritada sem qualquer pudor do alto dos trios elétricos para as multidões, tem outra intenção e convoca a "mulherada" para acender a marquinha do biquíni e ir causar na balada. E como se isso não fosse o suficiente, sugere embriagar as "novinhas, dizendo que "o couro vai comer".
 
O Brasil ocupa o vergonhoso 5º lugar no ranking mundial dos países mais violentos contra as mulheres. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde, 70% das vítimas de violência sexual são crianças e adolescentes.  Quanto aos homicídios, no Brasil, uma média de 13 mulheres são assassinadas por dia, normalmente por seus parceiros e familiares.

Em paralelo à violência física e psicológica, as mulheres suportam uma assustadora violência cultural, disseminada sem qualquer consciência, sendo relevante fator na sua desvalorização social.

Dentro desse contexto, muitos compositores atuais poderiam refletir sobre a lição deixada por Gonzaguinha quando disse que é preciso cantar a beleza de ser um eterno aprendiz, ou nas palavras de Chico Buarque quando sugeriu que nos encontrássemos "talvez, num tempo da delicadeza”.

É possível retratar a mulher na arte com valor.

As mulheres representam mais da metade da população do Brasil, contudo, possuem pouca representatividade nas Casas Legislativas e, de um modo geral, nos cargos eletivos.

De acordo com os dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral, atualmente, as mulheres ocupam 10% das cadeiras da Câmara dos Deputados e 14% no Senado. Dos 27 governadores eleitos no último pleito, apenas Roraima elegeu uma mulher.

Na mesma direção do Brasil, na Bahia, poucas mulheres têm protagonismo na vida política e, consequentemente, nos rumos da sociedade. Dos 417 municípios baianos, apenas em 56 as mulheres foram eleitas, o que representa um percentual de 13% do total de gestores.

Este mesmo cenário é reproduzido no âmbito das 27 seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, dentre as quais apenas uma é presidida por mulher, Fernada Marinella, em Alagoas. Destas mesmas 27 seccionais, apenas nove possuem uma vice-presidente mulher. E na Bahia, após 85 anos de existência, esta honra e conquista me coube, como resultado da maior participação feminina no âmbito da OAB. Muitas outras valorosas advogadas exercem importantes funções políticas nesta Instituição, de maneira que as advogadas baianas se vêm hoje representadas na atual Diretoria, ESA, CAAB, Conselho e Comissões.

No Conselho Federal da OAB, nenhuma mulher ocupa as cinco vagas destinadas à atual Diretoria, e das 81 vagas de conselheiros titulares, apenas 08 são ocupadas por mulheres.

As estatísticas acima revelam a necessidade da maior participação feminina nos espaços políticos, em todas as suas esferas, para que a mulher possa também ser protagonista da sua história política e social.

Não há dúvidas de que muitos são os desafios impostos à mulher, alguns inconscientemente assumidos por herança cultural, a exemplo da responsabilidade com a maternidade, outros decorrentes da natural necessidade de trabalho, o que se impõe como forte fator de desestímulo à conquistas dos espaços políticos, mas a legitimação da mulher à ocupação desses espaços é um novo cenário que se aproxima.

Uma história interessante ilustra as dificuldades ainda atuais que as mulheres enfrentam para a sua consolidação profissional. Joanne Rowling possivelmente é um nome desconhecido por muitos, mas trata-se de uma das escritoras mais famosas do mundo. Conhecida como J. K. Rowling, ela é a renomada escritora da série Harry Potter.

Joanne, desde muito pequena, sonhava em ser escritora, mas seus pais não a apoiavam. Já adulta, mudou-se para Portugal, onde conheceu um jornalista, por quem se apaixonou e casou, vindo a ter uma filha. No casamento, sofreu violência doméstica por parte do marido, vindo a divorciar-se. Sem emprego, sem apoio da família, divorciada e com uma filha pequena para criar, Joanne, até como uma tentativa de fugir da sua realidade para um mundo irreal, dedicou-se a escrever livros de fantasia.

Foi então que Joanne escreveu a série que revolucionou o mercado literário e a indústria de entretenimento, a saga de Harry Potter. Contudo, Joanne ainda passaria por mais uma violência, desta feita, o preconceito. Embora seu manuscrito fosse fantasticamente interessante, para a publicação lhe foi imposta uma condição: ela teria que assinar a obra de maneira que o público não desconfiasse que o autor era uma mulher, pois, para a editora, livros de fantasia eram escritos apenas por homens. Precisando prover por sua filha e não possuindo forças para se opor à injusta condição, Joanne aceitou os termos e publicou a série, assinando como J. K. Rowlling.

Em pouco tempo, Joanne revolucionou o mercado e se tornou, segundo a Forbe, a primeira pessoa a se tornar bilionária somente escrevendo livros e a mulher mais rica do entretenimento no Reino Unido. E foi a popularidade da sua obra que fez com que a sua identidade de mulher não mais pudesse ser escondida.

Por conta dos livros da série Harry Potter, as portas se abriram para outras muitas mulheres escritoras de livros de fantasia, em todo o mundo.

Precisamos que muitas outras portas sejam abertas para as mulheres em todo o mundo, que as mulheres sejam retratadas culturalmente com alegria, amor e respeito. Não percamos nunca a fantasia dos nossos sonhos por dia melhores, nos quais as mulheres não serão "as donas do mundo" nem melhores do que os homens, mas simplesmente tão respeitadas e valorizadas quanto qualquer ser humano deve ser.

Que as mulheres estejam no comando e no poder das suas vidas, sem preconceitos, sem estereótipos, sem violência.

Viva o Dia da Mulher, livre e valorizada.

Ana Patrícia Dantas Leão
Vice-presidente da OAB-BA