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Nota Técnica de Preocupação sobre Instrução Normativa Nº 1 de 23/02/2017 - Análise, Crítica e Pedido de Providências

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. ”.  Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86). Para que possamos mensurar a gravidade do momento que ora vivenciamos, cumpre, antes de mais nada, compreender, ainda que brevemente, o contexto histórico da luta empreendida pela OAB e demais instituições em defesa da qualidade do Ensino Jurídico no Brasil. Objeto permanente das reflexões desenvolvidas no âmbito do Conselho Federal da OAB , acentuou-se no início da década de 1990 o processo de crítica ao ensino jurídico brasileiro, elaborando a sua Comissão de Ensino Jurídico um importante diagnóstico da situação dos cursos de direito no País.

Em 1992, a Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB lançou o livro "OAB Ensino Jurídico: Diagnóstico, Perspectivas e Propostas", no qual traçou uma cartografia de problemas que afetavam o ensino do Direito no Brasil. Neste estudo pôs-se em relevo elementos paradigmáticos que poderiam operar a transição entre a velha e a nova realidade emergente no panorama do ensino jurídico brasileiro.

No livro "OAB Ensino Jurídico: Novas Diretrizes Curriculares", lançado em 1996, a Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB fez o balanço das contribuições da entidade, do MEC e de todos quantos, recentemente, se dedicaram à tarefa de repensar o ensino jurídico no Brasil. Neste trabalho, pôs em relevo as diretrizes indicadas na Portaria n. 1886/94, que o reorientaram e que desencadearam o processo ora em curso, de reformulação curricular em todas as escolas de Direito do País. Delas também decorreram os parâmetros para autorização, avaliação e reconhecimento dos cursos jurídicos brasileiros.

A Resolução nº 9, de 2004, editada pelo Conselho Nacional de Educação, que rege atualmente as diretrizes para o curso de graduação em Direito, manteve o padrão orientador da norma anterior e, no que tange ao eixo de formação prática, empreendeu um atualizado refinamento conceitual para acentuar que ele “objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e Atividades Complementares”.

Tivemos, então, sob a égide deste marco regulatório de 2004, uma expansão vertiginosa de Cursos de Direito no Brasil, inserida no contexto da expansão do ensino superior como um todo, processo que se caracterizou pela modificação das formas de organização das instituições de ensino superior, a partir da década de 1990 .

A tabela 1 abaixo  retrata com números as quantidades de cursos, de alunos ingressantes, do total de matrícula (alunos ingressantes e alunos veteranos) e de alunos concluintes de cursos jurídicos no período de 1991 a 2012, propiciando uma visão global tanto da expansão da quantidade desses cursos no País quanto da população estudantil nela envolvida, sendo que essas variáveis têm tido um comportamento sempre crescente ao longo do tempo, o que dá uma aparência de democratização do acesso ao ensino superior: Constata-se da tabela acima que foram lançados no mercado de trabalho nos últimos tempos, mais de noventa mil bacharéis em Direito por ano, sendo que no ano de 2012 o número chegou próximo de cem mil bacharéis, o que permite supor uma supersaturação do mercado de trabalho para estes profissionais.

Plotando-se em um gráfico os números referentes à quantidade de cursos de ensino jurídico em função do tempo, visualiza-se com mais nitidez a curva da expansão da quantidade de cursos jurídicos no Brasil no período acima compreendido, como mostra a figura seguinte: O comportamento da curva formada no gráfico acima mostra a ocorrência de um aumento acelerado da oferta de cursos jurídicos após o ano de 1997, e uma tendência ao esgotamento de sua expansão a partir do ano de 2007, uma vez que, aparentemente, o mercado de prestação de serviço educacional de ensino jurídico exauriu a sua capacidade de absorção de novos cursos para esta modalidade de ensino.

Diante deste cenário, em março de 2013, o Ministério da Educação firmou acordo de cooperação com a Ordem dos Advogados do Brasil, interrompendo o processo de criação de novos cursos, até que fosse implementado o novo “marco regulatório do ensino jurídico”.

Foram então à época instalados os trabalhos da Câmara Consultiva Temática de Política Regulatória do Ensino Jurídico, cuja finalidade era a construção de um “novo paradigma do ensino do Direito no Brasil”.

Como até o presente momento não foi oficialmente publicado o relatório da Comissão acima mencionada, estamos hoje diante de um hiato, em que o ensino jurídico não tem ainda o seu marco regulatório a balizar o futuro da educação jurídica no País, e no qual as diretrizes existentes são, reconhecidamente, ineficientes e anacrônicas.

É neste contexto que surge a Instrução Normativa nº. 01/2017, de 23 de fevereiro de 2017, que reabre a possibilidade para as Instituições de Ensino Superior novamente pleitearem novas vagas para o Curso de Direito.    

Neste contexto, a Comissão de Ensino Jurídico da OAB - BA vem manifestar sua preocupação diante da recém-publicada INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1, DE 23 DE FEVEREIRO DE 2017, editada pela SECRETARIA DE REGULAÇÃO E SUPERVISÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR do Ministério da Educação, ressaltando os seguintes pontos para reflexão:

Qual o paradigma de qualidade que irá orientar esta nova e intempestiva expansão da Educação Jurídica no Brasil?

Onde está o “marco regulatório do ensino jurídico”, que nem sequer é mencionado na referida Instrução Normativa nº1?

O MEC, com esta medida unilateral publicada durante o carnaval e esvaziada de conteúdo programático, pretende romper o pacto firmado com a OAB em 2013?

Estamos diante de um retrocesso sem precedentes, pois desde 1990, como se viu acima, a OAB vem acumulando esforços no sentido da elevação da qualidade da Educação Jurídica no Brasil.

A comunidade jurídica aguarda há quatro anos a implementação de novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Direito, havendo inúmeras questões que continuam pendentes.

Cabe à OAB resgatar a atualização do marco regulatório, pois por meio deste podem ser mantidos os avanços já alcançados e contempladas demandas sociais contemporâneas, devendo ser preservadas, por exemplo, as regras quanto à duração dos cursos, existência de um trabalho de conclusão, atividades de extensão, ambiente para a prática jurídica e melhoria da qualidade dos estágios.

A CEJ da OAB/BA entende que é capital a inserção de atividades de iniciação à docência, à pesquisa e à extensão, como elementos fundamentais para melhoria do ensino e maior participação do discente na vida universitária. Não é possível se pensar em expansão que não seja sustentada por pilares de qualidade.

Em 04 de janeiro de 2016, ainda na expectativa da implementação das novas DCN, a Portaria Normativa nº 1 estabeleceu o Calendário daquele ano para abertura do protocolo de ingresso de processos regulatórios no sistema e-MEC, conforme art. 9º, nos seguintes termos: “O sistema e-MEC será aberto, para protocolo de pedidos de autorização de cursos de Direito, quarenta e cinco dias após a homologação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso, permanecendo fechado nos demais períodos do ano.
§ 1º Até a data fixada no caput, será editado normativo específico, contendo procedimentos e padrão decisório para análise dos pedidos de autorização de cursos de Direito”.
Até a presente data não houve a homologação das referidas DCN, muito menos foi ouvida a OAB antes da elaboração da presente Instrução Normativa, que atinge, direta e fortemente, a classe jurídica ameaçando os parâmetros de qualidade já consolidados ao longo do tempo para a educação jurídica em nosso País.

A qualidade dos cursos de Direito vem sendo questionada pela sociedade de maneira significativa não só pela quantidade de cursos oferecidos, mas principalmente pelo mau desempenho destes nos indicadores de qualidade disponíveis, a exemplo do baixo índice de aprovação nos Exames de Ordem, de desempenho no ENADE e em concursos públicos da área jurídica e dos pouquíssimos cursos brasileiros recomendados pela OAB por meio do seu selo.

Além disso, devemos refletir sobre o quantitativo de advogados ou bacharéis em Direito que ingressarão no mercado, sem correspondência com a necessidade da população.

Há que se considerar ainda que a multicitada Instrução Normativa está eivada de omissões, como, por exemplo, no artigo 3º. que define quantidade de cursos de Direito que cada IES pode solicitar. Sabendo-se que algumas IES possuem mais de um endereço em cada munícipio e até várias unidades em cada Estado, questiona-se se houve, antes da publicação dessa IN, o levantamento da quantidade de vagas passíveis de aprovação no Brasil? Quantas IES? Quantos endereços? Multiplicando-se por 150 vagas cada um desses novos cursos,
quantos advogados formaremos nos próximos 6 anos?  Há docentes preparados e suficientes, conforme indicadores de qualidade do próprio Ministério de Educação,para atender a tal demanda?

Já o artigo 4º da IN 1/2017 causa muita estranheza conforme segue abaixo, já que permite que se apresente pedido de autorização já indeferido pelo próprio MEC, sem que tal medida venha acompanhada de qualquer justificativa. Art. 4º Nos períodos de abertura do sistema e-MEC, conforme o Calendário de Atos Regulatórios, as instituições interessadas poderão apresentar nova solicitação relativa ao mesmo pedido de autorização do curso de graduação em direito, indeferido com base na Portaria Normativa nº 20, de 19 de dezembro de 2014, independentemente da data do ato que encerrou o processo.
[...] (grifos nossos)
Qual seria a finalidade desta regra? Favorecer a qualidade da educação jurídica no Brasil? Não é o que parece:

Hoje já vivemos uma precarização da advocacia clara e evidente, quando constatamos profissionais que aceitam valores bem abaixo da tabela de honorários da OAB para acompanhar uma audiência, por exemplo, sem falar na quantidade de processos ético-disciplinares envolvendo novos advogados. Casos como estes levaram à campanha de “valorização do profissional” encampada pela OAB.

A propósito, como sustentar e obter eficácia na defesa de prerrogativas sem a segurança de que teremos profissionais preparados técnica e eticamente para tal enfrentamento?

Enfatizamos, nesta nota, que a deterioração do ensino jurídico culmina no surgimento de gerações de profissionais inaptos para a plenitude do exercício advocacia.

Por fim, o pleito da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/BA é de imediata suspensão dos efeitos da referida Instrução Normativa nº1, até que haja a homologação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Direito, precedida de Audiências Públicas que promovam uma ampla discussão na sociedade com as áreas envolvidas diretamente, especificamente a OAB, para análise de todos os pontos aqui apresentados e outros que venham a surgir, de forma a garantir o aprimoramento e a qualidade nos cursos de Direito.

Se estas medidas não forem implementadas, se não conseguirmos fazer valer o papel institucional da OAB, estaremos diante de mais um TRIUNFO DAS NULIDADES!

O presente estudo foi apresentado pela Conselheira Cínzia Barreto de Carvalho, Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/BAe votado na sessão institucional do Conselho Pleno da OAB/BA, de 10/03/2017, que o aprovou por unanimidade, aderindo ao manifesto e acrescentando o encaminhamento à Procuradoria desta Seccional e ao Conselho Federal para adoção das medidas judiciais cabíveis para garantir a suspensão da referida Instrução Normativa.

Devem ser encaminhadas cópias deste estudo aos Conselheiros Federais representantes da Bahia e à Comissão Nacional de Educação Jurídica da OAB.

Salvador, 10/03/2017 Cínzia Barreto de Carvalho
Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB da Bahia

Adrianna Freire Maccari
Vice-Presidente

Carla Bracchi
Membro

Nilzete Teixeira Santiago
Membro