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OAB da Bahia discute maioridade penal em debate caloroso

A OAB da Bahia promoveu, na tarde da última quarta-feira (15), uma mesa redonda com o tema “Maioridade Penal: Redução em Debate”. O evento teve como objetivo discutir as implicações da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, proposta pela PEC 171/93, e o aumento do  encarceramento juvenil. O encontro aconteceu no auditório da entidade, que fica na Rua Portão da Piedade.
Participaram da mesa alta o presidente da seccional, Luiz Viana Queiroz, o vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-BA, Eduardo Rodrigues, o diretor da Escola Superior de Advocacia Orlando Gomes (ESA-BA), Luiz Coutinho, o secretário de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia, Geraldo Reis, as juízas Marielza Brandão, presidente da Associação dos Magistrados da Bahia (AMAB), e Nartir Weber, presidente interina da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o juiz federal Durval Neto, o presidente da Comissão Especial de Sistema Prisional e Segurança Pública da OAB-BA, Marcos Melo, os procuradores Ivan Brandi e Rômulo Moreira e o professor Hiran Souto Coutinho.
Segundo o secretário de Justiça da Bahia, Geraldo Reis, o posicionamento do Estado é contrário à redução: “A diminuição da maioridade penal não trará solução para a criminalidade no país. O que temos que dar ao jovem é educação e oportunidade. Se colocarmos um adolescente no presídio, sua chance de ressocialização será nula. Temos, sim, que trabalhar no aperfeiçoamento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), até porque muitos desses jovens infratores são escravos do tráfico, cerca de 60% deles. E nem por isso deixam de ser punidos”, afirmou Reis.
Com opinião semelhante, o procurador Rômulo Moreira e as juízas Marielza Brandão e Nartir Weber também afirmaram ser contrários à redução da maioridade: “O artigo 228 da Constituição Federal, que atribui a maioridade penal aos 18 anos, diz respeito aos direitos individuais e não pode ser modificado. É pétreo. A redução só aumentará, portanto, a clientela do sistema prisional”, disse Moreira. “É preciso desmistificar a ideia de que os adolescentes infratores não são punidos. Nós temos o ECA e suas medidas educativas. Precisamos, sim, de medidas públicas para que as leis sejam cumpridas no país”, destacou Brandão. “O jovem infrator pode até ter consciência do ato criminoso, mas será que ele tem maturidade para resistir à inserção no mundo das drogas?”, indagou Nartir.
Também usando a maturidade como argumento, o juiz federal Durval Neto afirmou acreditar que o que está em jogo é a discussão sobre a “imputabilidade penal” - uma “questão técnica, e não política”, segundo ele: “Apesar de, para os adultos, à imputabilidade ser atribuído o fator psicológico, para o jovem é biológico. Não tenho posição definida, mas acredito que, caso seja confirmada a possibilidade de que o jovem infrator tem capacidade psicológica para responder a um processo e consciência dos seus atos, a redução não será inconstitucional, até porque não considero pétreo o artigo 228”, ressaltou Neto.
Seguindo linha de raciocínio semelhante, o procurador Ivan Brandi também disse não ver inconstitucionalidade na redução da maioridade: “O que o artigo 228 diz é que é necessário haver uma idade para a imputabilidade penal, podendo ser de 18, mas de 16 anos também. Aliás, países como Dinamarca, Suécia e França reduziram a maioridade. No Reino Unido e Escócia, a imputabilidade é de 10 anos. Será que todos eles estão errados? Ou será que eles vêm observando um fenômeno radical de mudança da juventude nos últimos anos?”, questionou.
Ainda em seu discurso, Brandi falou sobre a idade mínima para votação e as estatísticas envolvendo jovens infratores: “Gostaria de lembrar que, aos 16 anos, adolescentes já podem votar, escolhendo, inclusive, os gestores que criarão políticas públicas que lhes dizem respeito. Além disso, gostaria de fazer uma observação sobre dados levantados pela presidente Dilma Rousseff, que apontam que apenas 10 % dos crimes são cometidos por jovens. Se considerarmos como 'idade fértil' do crime a faixa entre 18 e 50 anos, a cada par de anos, os adultos cometem 5% dos crimes, menos que os 10% dos jovens”, ressaltou.
Os dados foram questionados pela defensora Carmen Albuquerque, que disse que, “dos 12.754 presos na Bahia, apenas 610 são jovens”: “Destes 610, 85% estão em internação por crimes contra o patrimônio e, coincidentemente, 85% estão no 6º ou 7º ano do Ensino Fundamental. Só para termos uma noção, uma determinada escola de Periperi recebe 49 centavos por merenda escolar. Já o adolescente interno custa cerca de R$ 2000 ao Estado. Claramente, estamos investindo no preso, quando precisamos investir na educação”, destacou.
Para o advogado Marcos Melo, a maior parte da população carcerária do país é feita por pobres e negros: “Será que, nos países em que houve a redução da maioridade, o Estado é inadimplente como aqui, onde, às vezes, o crime se torna uma tábua de segurança? Onde existem locais em que as políticas públicas não chegam? O jovem não tem maturidade afetiva para ser posto nos presídios precários do Brasil. Nossos jovens precisam de escola, não de cadeia”, disse.
“Nos reformatórios, o número de jovens pobres é absurdo. Continuamos perdendo crianças para o tráfico, que, muitas vezes, gera emprego e dá o amparo que o Estado nega ao adolescente. E agora estamos querendo culpar aqueles que não receberam essas políticas”, disse Luiz Coutinho. “Precisamos efetivar o ECA, e não reduzir a maioridade”, complementou Hiran Souto.
Representando a OAB-BA, Eduardo Rodrigues e Luiz Viana também expuseram opinião acerca do tema: “Sobre a redução da maioridade, o que tenho a dizer é que o adolescente infrator não tem educação. Se trabalharmos a educação dessas crianças, aí, sim, o índice de criminalidade pode começar a diminuir”, destacou Rodrigues.
“Apesar de ter começado a mesa sem nenhuma colérica certeza, agora, ao fim do evento, estou absolutamente convencido de que não é bom para o Brasil reduzir a maioridade penal. Mas acredito, também, que a paixão não é boa conselheira para nenhum dos dois lados. Estou convencido de que o artigo 228 é cláusula pétrea, mas as opiniões adversas precisam ser ouvidas e discutidas. Saio, portanto, hoje, daqui, satisfeito com esse debate de alto nível e acreditando que, mais uma vez, contribuímos para a melhoria da nossa sociedade", concluiu Luiz Viana.
Foto: Angelino de Jesus (OAB-BA)